Parece que a tua experiência no desenvolvimento de Sin and Punishment para a 64 foi tão dolorosa que ainda faz com que suspires dessa forma. Podes dizer-nos o que aconteceu exactamente?
Bem, as miras num jogo de apontar e disparar movem-se em 2D, mas…
O mundo do jogo é em 3D.
Exactamente. Tens de apontar em 2D para atingir um adversário em 3D com uma bala. A minha reacção foi “Como é que eu vou fazer isso?!” E foi assim que tudo começou.
Estou a ver.
Então tentei um monte de coisas, e eventualmente descobri como atingir inimigos com balas.
Estou a ver.
Mas depois… (faz uma cara que expressa dor)
Depois?
As balas do adversário não te atingiam.
(risos)
Ah, os adversários não conseguiam atingir o jogador. (risos)
Quando a personagem do jogador não está no ecrã, podes evitá-la, mas estávamos a fazer um jogo com uma personagem visível por isso não podíamos evitá-la.
Se estivesse um pouco desfasada não seria natural.
Pois. Tantas memórias dolorosas… Tal como com os bosses.
Os bosses?
Os bosses têm de ser grandes para que criem um impacto. Se não forem…
Não são bosses.
Exactamente. Mas em 3D, estão muito atrás no ecrã.
O que é normal.
Mas quando os pusemos no ecrã, eram tão pequenos que pensámos “Aquilo não é um boss!” Na realidade, eram mesmo grandes.
Eram muito grandes mas pareciam muito pequenos.
(com uma expressão de dor) Sim…
Que problema. (risos)
Sim. Em Sin and Punishment, podes aproximar-te e atacar, então pensei que o tamanho gigante dos bosses seria aparente. Mas de perto, eram demasiado grandes!
(risos)
(com uma expressão confusa) Não cabiam no ecrã.
Quando nos aproximávamos, não conseguíamos ver se era um boss ou outra coisa qualquer.
Certo. A única coisa que víamos era um pé grande. Pensávamos: “Bem, provavelmente isto é um boss…mas talvez seja só um pé.”
(risos)
Tantas experiências dolorosas.
(acena com a cabeça silenciosamente)
Quando Sin and Punishment saiu, achei que era um jogo algo ambicioso. Pensei: “Têm mesmo grandes apirações para a Nintendo 64!” Nakagawa-san, sempre gostaste de desafiar os limites?
Sim. (de forma convicta)
Logo vi.
Gosto…mas é difícil.
(risos)
Ele sempre foi assim, a desafiar os limites do hardware da NES, e por aí fora.
Nos dias da NES e da Super NES, desenterrar usos do hardware que não constavam nas especificações e ser pioneiro era uma espécie de bênção para os programadores.
Pois era.
Ficava frustrado quando via algo de outra empresa que não fazia ideia de como tinha sido conseguido, mas ficava satisfeito quando via a surpresa das pessoas em relação a algo que nós tínhamos criado.
Percebo o que queres dizer. Continuámos nesse espírito quando fizemos a versão para a Nintendo 64.
Então, Nakagawa-san, continuaste a trabalhar e…
Sim. Depois deparámo-nos com obstáculos de proporções colossais. Tínhamos problemas ao nível da programação mas também ao do design.
Também tiveste dificuldades, Suzuki-san?
Sim. No design, lembro-me de me deparar com dificuldades no mapeamento de texturas.9 9Mapeamento de texturas: Colocar imagens em objectos 3D para estabelecer diferenças em texturas e personagens.
Com a Nintendo 64, o tamanho das texturas era bastante limitado. Se não arquitectasses algo muito inteligente ao criares os dados, a velocidade de processamento diminuiria drasticamente.
Certo. Para evitar isso, tentámos coisas como remover ossos.10 Foi uma questão de podermos ou não transformar as restrições em algo positivo. 10Remover ossos: Diminuir o número de articulações num modelo 3D.
Já agora, hoje em dia há uma tendência para muitas pessoas estarem envolvidas no desenvolvimento de um jogo, mas na Treasure consegues criar algo verdadeiramente potente com poucas pessoas.
Sim, suponho que sim.
Fico muitas vezes surpreendido com o que se consegue com uma equipa de proporções tão pequenas. Tenho a impressão de que fazes jogos incríveis.
Bem, fazemos as coisas de forma frenética…
(acena com a cabeça repetidamente)
(risos)
Eu, basicamente, sigo a política de deixar o staff fazer o jogo da forma que quiser. Mas se, suponhamos, 30 pessoas tentassem fazer o que cada uma delas queria, nunca haveria um acordo sobre nada. Todos teriam a sua opinião, dizendo: “É isto que quero fazer!” “Os poucos e os orgulhosos” não é apenas uma filosofia engraçada. Não podes fazer mesmo nada com muitas pessoas.
Com demasiadas pessoas, não obtemos um produto final em condições. (risos)
Certo. Precisas de alguém, como Nakagawa desta vez, que seja o director e o programador e que junte tudo de forma adequada. É por isso que, nesta primeira fase do projecto, tínhamos o mínimo de pessoas possível – dois programadores e dois designers – a fazer os elementos essenciais do jogo, e começámos com apenas algumas pessoas. Claro que, no fim, havia mais pessoas envolvidas do que nunca na história da Treasure.
Quando esses elementos-chave estavam estabelecidos, pedi-te que mo mostrasses, e mesmo nessa altura achei que tinha substância.
Como deves saber, na altura da NES, uma pessoa podia fazer um jogo inteiro.
Certo. Em tempos idos, existia apenas um programador. Era normal que toda a equipa consistisse de apenas três pessoas.
Mesmo agora, a Treasure é assim!
(risos)
Mesmo hoje é normal que três pessoas formem uma equipa na nossa empresa. Dessa forma, podem fazer o que querem e as suas ideias podem realmente sobressair. Mas essa não é a única razão pela qual insisto na minha política de trabalhar com poucas pessoas. A realidade é que simplesmente não temos assim tantas pessoas…
(assentem com a cabeça)
(risos) Queres tirar o maior partido da energia de cada um quando crias algo.
Sim, mas dizer que fazemos aquilo que queremos também não estaria errado. (risos)
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